CHÃO DE PITANGAS - por Edson Kenji Iura
Chão de Pitangas de Débora Novaes de Castro Fonte: Linguagem Viva - fevereiro de 2003 Por: Edson Kenji Iura*
Chão de Pitangas
de Débora Novaes de Castro
Fonte: Linguagem Viva - fevereiro de 2003
Por: Edson Kenji Iura*
O haicai breve forma poética de origem japonesa foi introduzido no Brasil no início do século 20, angariando de pronto uma multidão de praticantes e estudiosos, seduzidos a princípio pelo desafio de fazer poesia empregando um suporte minúsculo: três versos com cinco, sete e cinco sílabas. A popularidade do haicai só cresceu durante todas estas décadas e em sua militância hoje conta com entusiastas do porte de Débora Noves de Castro, poeta, escritora e divulgadora cultural, que acaba de lançar Chão de Pitangas, coletânea de 270 haicais, com edição a carga da Scortecci Editora.
Além de autora das coletâneas Soprar das Areias (1987), Aljôfares (1989), Sementes (1992) e organizadora da antologia Hai-kais ao Sol (vários autores, 1995), dedica-se desde 1998, à pesquisa acadêmica do tema que a apaixona, preparando sua dissertação de mestrado sobre o haicai brasileiro pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. É com base em suas pesquisas que Débora divide o haicai brasileiro em três vertentes: livres, guilherminianos e orientais. Esta definição foi pela primeira vez posta em prática na organização da antologia Hai-kais ao Sol e hoje é usada em Chão de Pitangas, coletânea da própria autora. Os conceitos implicados nos haicais guilherminianos e nos haicais orientes são expostos em pequenos ensaios à guisa de prefácios, respectivamente preparados por Cyro Armando Catta Preta e Teruko Oda e originariamente publicado em Hai-kais ao Sol.
Os haicais livres ou modernos seriam aqueles associados à definição mais abrangente do haicai, qual seja a de um pequeno poema de três versos (com rima eventual entre o primeiro e o terceiro verso), sem nenhuma outra preocupação formal e nem mesmo conversando uma contagem silábica fixa, ao contrário dos dois tipos restantes, presos em grau mais ou menos rígido a uma estrutura métrica, rítmica e temática, determinada por valores tradicionais.
Os haicais guilherminianos ou guilherminos devem seu nome a Guilherme de Almeida (1890-1969), o inventor do formato. São tercetos de cinco-sete-cinco sílabas, com rima entre o primeiro e o terceiro versos, mais uma rima interna entre a segunda e a sétima sílabas do segundo verso. Trata-se de um esquema rígido e precioso, que alguns comentaristas chegam congnominar, de maneira algo depreciativa, de micro-soneto. Mas longe de constituir-se em mera curiosidade, o formato conta com cultores fiéis na comunidade haicaísta.
Já os haicais que Débora Novaes de Castro denomina de orientais seriam tercetos com cinco-sete-cinco sílabas, tal qual os guilherminianos, mas compostos expressamente sem rima entre os versos por acreditar-se que, em sua origem, o haicai não as teria, por serem um elemento inexistente na tradição poética do Japão. Adicionalmente, preconiza-se o emprego de um índice sazonal, ou seja, uma palavra ou expressão que sugira uma das quatro estações do ano, também consoante à tradição original.
Assim sendo, o haicai de Chão de Pitangas distribui-se por três seções, cotando 186 haicais livres 23 guilherminianos e 61 orientais, pelos quais a autora transita com desenvoltura, procurando prestar tributos aos poetas do passado e do presente que contribuíram para popularizar esta forma poética. Deixamos amostras de alguns destes poemas:
ainda que ocaso
o sol do outro lado
rompe em dourados
p. 46
ponteando miçangas
louçãs nas claras manhãs
um chão de pitangas
p. 103
sol cores e flores
na Festa da Primavera
saia da menina
p. 113
Chão de Pitangas: São Paulo, Scortecci Editora, 2002, 136 páginas, ISBN 85-7372-809-4.
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*Edson Kenji Iura é haicaísta, membro do Grêmio Haicai Ipê e editor do Caqui
– www.kakinet.com.br